Abordagem que busca aplicar princípios do design na prática jurídica, o Legal Design já é realidade nos departamentos de empresas e escritórios brasileiros de advocacia. Com o objetivo de promover, por meio de soluções inovadoras, mais transparência, clareza e acessibilidade aos documentos, além de automatização de fluxos e melhor tratamento da base de dados, o método tem mostrado resultados positivos e satisfação do meio jurídico e dos usuários.
Com o Legal Design, o Direito, área conhecida pelo senso comum como burocrata e de mudanças lentas, segue para a transformação rumo a um novo e melhor paradigma, no qual os seus instrumentos são pensados de maneira mais atrativa, eficaz e humanizada, garantindo que a comunicação seja transmitida com mais clareza, e que o destinatário da mensagem seja o centro do processo.
O movimento foi iniciado por estudantes de Direito influenciados pela utilização com sucesso do design thinking em diversas áreas, resultando na criação do Legal Design Lab, da Universidade de Stanford, nos EUA. Aqui no Brasil, várias são as soluções em prática no momento.
Na Anglo American, por exemplo, foi realizada recentemente a substituição definitiva do tradicional formato do contrato de trabalho por um documento com estrutura mais visual, intuitiva, didática e de linguagem simplificada. O modelo, que usa a metodologia Visual Law, incorpora figuras e ícones ilustrativos para explicar as cláusulas, que são apresentadas em tópicos, com títulos curtos e letras de tamanho legível, facilitando a localização de informações sobre vigência e período de experiência, jornada de trabalho, abono de faltas, remuneração, direitos e deveres dos empregados e demais protocolos. Além disso, em prol da acessibilidade e da inclusão, o documento possui opção em áudio para facilitar o acesso por pessoas com limitação visual.
Nessa trajetória, cerca de 3 mil termos técnicos foram trocados por palavras mais conhecidas que visam ampliar o grau de entendimento do contrato. A substituição do “juridiquês” por uma linguagem mais amigável foi aprovada por 96% dos profissionais da empresa, conforme indicou uma pesquisa de satisfação interna. Vale ressaltar ainda que 66% desses empregados admitiram que, em algum momento de suas vidas, chegaram a assinar um contrato sem ler ou entender o que estava escrito.
Em paralelo com a realidade brasileira, precisamos lembrar que o analfabetismo funcional, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), atinge 29% da população, e que muitas pessoas não têm condições financeiras para contar com suporte jurídico em avaliação das condições contratuais. Daí a importância dessas soluções.
Diante do sucesso dessa prática pioneira no setor mineral, a Anglo American está replicando essa inovação em 12 diferentes tipos de documentos, visando impactar positivamente não apenas empregados, mas fornecedores de bens e serviços, e comunidades anfitriãs. Dentro dessa nova realidade, a empresa adotou, a partir deste ano, um novo modelo para o acordo coletivo de trabalho, contemplando os cerca de 4 mil empregados diretos no Brasil e lançará, ainda em 2023, suas políticas globais para mais de 20 mil profissionais ao redor do mundo.
Mas o Legal Design não se esgota em gráficos e elementos visuais em contratos e petições. Outras práticas de sua jornada avançam em novos modelos de negócio, incluindo o uso da Inteligência Artificial em tratamento da base de dados jurídicos – trabalho essencial para as tomadas de decisões mais assertivas, menos arriscadas, economicamente inteligentes, e mais próximas à realidade dos negócios.
Ferramentas que propõem economia para o negócio com acordos nos processos, que fazem a análises de dados mapeando riscos e recomendando decisões que levam em consideração o impacto financeiro para o negócio, e que possibilitam o acompanhamento de KPI´s, bem como self-service de documentos, geram hoje mais autonomia e agilidade aos clientes internos. Estas soluções combinam pontos que antes eram dores tanto das equipes jurídicas quanto dos clientes internos, com a busca em ampliar a atuação do meio jurídico como parceiro que gera valor para o negócio e traz resultados mensuráveis. Na Anglo American, a economia gerada, apenas no primeiro semestre de 2023, foi de R$ 50 milhões com soluções de litígios de forma antecipada.
As novas tecnologias influenciam o nosso modo de pensar e agir no mundo, incluindo novas formas de linguagem e sociabilidade. No mundo do Direito, isso não é diferente. O papel dos advogados mudou. Assim como vemos no restante das áreas que estão sendo inundadas pela Inteligência Artificial e novas tecnologias, nos cabe agora fazer a análise crítica desses dados gerados e das recomendações que os sistemas nos trazem, buscando sempre o melhor para o negócio em curto, médio e longo prazos. Unicamente os seres humanos conseguem fazer tais leituras de forma contextualizada e global.
As inovações já são realidade e cabem aos profissionais, departamentos e escritórios tirarem proveito dos seus benefícios, sem perder de vista um trabalho jurídico de qualidade, humano, focado na transparência, na acessibilidade, no cuidado e respeito. A era do “juridiquês” e dos advogados burocratas ficou no passado. O jurídico agora propõe estratégias, é parceiro, e traz valor para o negócio.
Sobre Carolina Lobato
É diretora jurídica da Anglo American no Brasil, desde 2020, e tem mais de 12 anos de atuação como executiva na área legal, com experiência em grandes transações nas áreas de direito societário, cível, implementação de projetos de mineração e licenciamento ambiental.
É graduada em Direito pela Universidade Fumec, com um MBA Executivo pela Universidade de Pittsburgh (EUA), e cursos de atualização na Boston University e Yale. Também é membro atuante de comissões jurídicas do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), e da Comissão Especial de Mineração de Base Mineral da OAB Nacional. Além disso, é sponsor do grupo de afinidade em inclusão e diversidade WoMine.
Neste ano, Carolina Lobato foi reconhecida internacionalmente na premiação “ACC Top 10 30-Somethings 2023”, da Association of Corporate Counsel, que pode ser traduzida como os top 10 advogados corporativos da ACC na faixa dos 30 anos. Teve como reconhecimento o seu trabalho desenvolvido na Anglo American, com destaques em gestão do contencioso trabalhista, gestão de riscos, e parcerias com o compliance na realização de avaliações de requisitos legais nas minas. A implantação dos contratos visuais na companhia também foi destaque na premiação.